“Sem pagar, não há NUIT”: Esquema de corrupção enraizado em Nampula

Na cidade de Nampula, o processo de emissão do Número Único de Identificação Tributária (NUIT), oficialmente gratuito, tem sido alvo de esquemas de corrupção que persistem há mais de dez anos. Funcionários da Autoridade Tributária (AT), em colaboração com intermediários, criaram um sistema paralelo de cobranças ilícitas que prejudica milhares de cidadãos que necessitam do documento para aceder ao mercado de trabalho, inscrever-se em universidades ou escolas de condução.

Apesar de ocorrerem à vista de todos, inclusive próximo ao Gabinete Provincial de Combate à Corrupção (GPCC) e ao edifício do Governo Provincial, as práticas ilegais continuam sem interrupções ou responsabilização efetiva.

De acordo com relatos recolhidos no local, os utentes que se dirigem aos serviços da AT são frequentemente abordados por intermediários — conhecidos como “comissionistas” — que exigem pagamentos que oscilam entre 100 e 200 meticais para agilizar o processo. Estes intermediários agem sob orientação de funcionários da instituição, criando um ciclo vicioso de subornos.

Cidadãos que se recusam a pagar enfrentam obstáculos como atrasos injustificados ou são informados de que o sistema está inoperacional. “O meu tio tentou tirar o NUIT sem pagar, mas disseram-lhe que só com dinheiro o processo avançava. Acabou por pagar 150 meticais depois de esperar o dia inteiro”, revelou um cidadão sob anonimato.

Outro caso é o de Alberto, que pagou 200 meticais para um atendimento supostamente prioritário. “Assim que entrei no recinto, abordaram-me logo. Disseram que só pagando é que teria o NUIT no mesmo dia”, contou.

Fontes revelam que os comissionistas entregam uma parte das receitas diárias aos seus superiores na AT, num esquema bem organizado. Há ainda denúncias de manipulação propositada de dados em brigadas móveis, forçando os utentes a dirigirem-se à sede da instituição, onde o sistema corrupto opera com mais eficácia.

Apesar das acusações graves, o GPCC não registou qualquer responsabilização formal ou prisão de funcionários da AT na última década. Uma fonte interna da instituição afirmou desconhecer a prática, embora os testemunhos sejam abundantes.

Segundo o psicólogo Arnaldo Ussene, esta realidade revela um colapso moral nas instituições públicas. “A corrupção tornou-se parte da rotina institucional. As pessoas já nem se surpreendem. O que devia ser exceção virou regra, e isso afeta profundamente a confiança do cidadão no Estado”, explicou.

A reportagem tentou contactar o responsável máximo pela emissão do NUIT em Nampula, mas foi informada de que este se encontra fora da província por motivos de trabalho.

Enquanto isso, milhares de munícipes continuam a depender de um sistema corrompido, onde o que é gratuito só se torna acessível mediante pagamento informal — com a aparente anuência das autoridades que deveriam proteger o bem público.

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