Ismael Mussá: “A elite da capital bloqueia o verdadeiro progresso de Moçambique”

“Precisamos reduzir os poderes concentrados na capital”
“Não se apaga a tribo para construir uma Nação”

Fora das fileiras partidárias, mas com uma história activa como deputado da Renamo e um dos fundadores do MDM, o académico Ismael Mussa concedeu uma entrevista aprofundada ao Dossiers & Factos, na qual faz uma análise crítica sobre a evolução política e institucional de Moçambique desde a independência.

Ao assinalar meio século de soberania, Mussa reconhece conquistas dignas de orgulho nacional, mas insiste na necessidade urgente de refletir sobre erros estruturais, como o centralismo excessivo, a hegemonia da elite de Maputo e a desvalorização da diversidade cultural. “Não se pode gerir riqueza estando a dois mil quilómetros de distância”, afirma, defendendo uma descentralização efetiva como chave para a inclusão e equilíbrio territorial.

Falando sem amarras partidárias, Mussa também partilha as suas percepções sobre os quatro primeiros chefes de Estado de Moçambique. Refere que Samora Machel “reunia todas as condições para ter sucesso”, elogia Chissano pelo papel na pacificação do país e na gestão da dívida, destaca o contributo de Guebuza para a autoestima nacional, e classifica Nyusi como “um bombeiro” num contexto de crise. Nesta primeira parte da entrevista, o académico propõe uma revisão honesta da história moçambicana e lança pistas para um futuro mais coeso. A continuação será publicada na próxima edição.

Dossiers & Factos (D&F): Professor, a poucos meses dos 50 anos de independência, há motivos legítimos para celebração?

Ismael Mussa (IM): Claro que sim. A independência, em si, é um marco que nenhum cidadão em plena consciência deve rejeitar. Houve erros, sim — alguns evitáveis, outros que ainda não foram assumidos — e falhámos em pontos importantes da reconciliação. Mas celebrar a liberdade de um povo é sempre justo. O essencial agora é tirar lições dos 50 anos de experiência. O autoritarismo, a desconfiança e o hábito de desqualificar o outro são legados da colonização que continuaram após a independência. A forma como os primeiros governos foram compostos — baseando-se em quem era “confiável” dentro do movimento de libertação — excluiu muitos, inclusive de etnias como os Macuas, que só tiveram representação governamental nos anos 1980.

D&F: Fala-se muito do centralismo. Qual é a sua visão sobre a localização da capital e seus efeitos?

IM: A concentração de poder em Maputo foi, a meu ver, um acaso histórico. A capital nunca deveria estar aqui. A sua escolha está ligada a uma decisão arbitral internacional em 1875, quando o Marechal francês Mac Mahon atribuiu este território aos portugueses. Isso garantiu o domínio da região sul, e por razões militares, os portugueses trouxeram a capital para cá. Mas hoje, a maior parte da riqueza do país está no Norte — e não se pode controlar essa riqueza a milhares de quilómetros de distância. Precisamos de um país equilibrado e coeso, o que exige distribuir os poderes. Não estou a sugerir a mudança da capital, que teria custos elevados, mas podemos e devemos redistribuir instituições estratégicas pelas províncias.

D&F: E que tipo de descentralização o senhor defende?

IM: Apoio ideias como as do Presidente Chapo, que propõe levar o Parlamento para Mocuba. Podemos também descentralizar os tribunais — Supremo em Nampula, Constitucional em Gaza, por exemplo. Precisamos libertar Maputo do peso de ser o centro de tudo. As receitas devem ser geridas localmente, com uma parte canalizada para o Governo Central. Isso fortaleceria a união nacional. O erro, no início da independência, foi tentar forçar a unidade nacional ignorando a diversidade cultural. Frases como “matar a tribo para construir a Nação” foram desastrosas. Uma Nação verdadeira constrói-se valorizando a diferença, não apagando-a.

D&F: Nestes 50 anos, tivemos cinco Presidentes. Qual é o seu balanço dos quatro primeiros?

IM: Os três primeiros Presidentes — Samora Machel, Joaquim Chissano e Armando Guebuza — eram todos profundamente ligados a Maputo e faziam parte da elite da capital, que não tem a ver com etnia, mas com o círculo de influência. Eu também pertenço a essa elite, apesar das minhas raízes fora da capital. Esse grupo tem tendência a desconfiar de quem vem de fora. Foi só com Nyusi, que tinha pouca ligação a Maputo, que vimos um aumento das contestações políticas. Não porque ele fosse mau governante, mas porque era um “desconhecido” para o núcleo da capital. O mesmo está a acontecer com Daniel Chapo. Essa resistência revela muito sobre o nosso processo de unidade nacional e a forma como o poder tem sido gerido.

D&F: E sobre Samora Machel?

IM: Samora foi o fundador do Estado moçambicano. Ele tinha tudo para conduzir o país ao sucesso…

(continua na parte 2)

Fonte Original: Dossiers e Factos

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