No próximo dia 25 de Junho, Moçambique celebra cinco décadas de independência. Tive o privilégio de testemunhar esse marco histórico no Estádio da Machava, quando Samora Machel, com sua voz vibrante e entusiasta, anunciou a liberdade do nosso povo numa noite chuvosa. Foi um momento transformador, e sim, valeu a pena. Como disse Nelson Mandela: passamos a ter direitos que antes nos eram negados.
A independência abriu caminhos que antes eram fechados para muitos de nós. Foi graças a ela que pude continuar os estudos até ao ensino superior, e tornar-me jornalista, algo que, durante o colonialismo, seria impossível devido à minha cor de pele. Foi também por meio da bravura da FRELIMO e do sacrifício de inúmeros combatentes que o país conquistou avanços importantes, muitos dos quais continuam a refletir-se positivamente na sociedade atual — como, por exemplo, o progresso na emancipação da mulher moçambicana.
Cito com agrado as palavras do saudoso Pascoal Mocumbi: “Ainda não somos o que queremos ser, mas já não somos o que éramos”. A independência nos tirou da condição de povo subjugado e nos devolveu a liberdade de sermos, fazermos e sonharmos.
Contudo, devemos admitir que podíamos ter ido muito mais longe nestes 50 anos. A guerra civil, alimentada por regimes racistas do sul e oeste africano, ceifou vidas e destruiu património, provocando um atraso económico de mais de duas décadas, segundo estimativas da ONU.
Mas a guerra não foi a única responsável pelo nosso atraso. Dois grandes inimigos internos têm corroído o tecido social e travado o nosso progresso: nepotismo e corrupção. Estas pragas, infelizmente normalizadas, entulharam instituições públicas com indivíduos despreparados e desviaram bilhões dos cofres do Estado, como se comprova nas obras mal executadas e serviços públicos decadentes.
Foi isso que me levou a escrever este artigo, depois de assistir à sessão do novo Parlamento. Vi um cenário preocupante: retrocedemos na qualidade dos nossos representantes. Muitos dos 250 assentos estão ocupados não por mérito, mas por ligações familiares ou partidárias. O Parlamento transformou-se num espaço de favores, não de competência. E isso é trágico.
Enquanto em outros países os mais experientes são valorizados e os jovens que chegam ao poder se destacam por mérito, aqui muitos deputados iniciam a sua vida profissional diretamente na política, sem preparação ou vocação. O resultado é um Parlamento que mais parece uma “escolinha de barulho”.
É o nepotismo que mina a qualidade do ensino, colocando professores sem qualificação a formar novas gerações. É ele que entrega as nossas cidades a dirigentes sem visão urbana, resultando em ruas esburacadas e espaços públicos tomados por lixo. E é a corrupção que desvia verbas que poderiam transformar o país em algo melhor, mais digno.
Basta ver que, enquanto cidades como Paris ou Nova Iorque enfrentam também o desemprego, não se veem mercados informais a tomar passeios e estradas. O que nos falta não é emprego — é ordem, gestão, e acima de tudo, liderança íntegra.
Essas críticas podem soar duras, mas são feitas com espírito patriótico. As doenças que nos afligem são profundas, e só as enfrentaremos se formos capazes de reconhecê-las e tratá-las com firmeza.
Aos que enriquecem com dinheiro público e fingem que o país vai bem, recordo que só entende o peso de um fardo quem o carrega. Há uma Moçambique real e sofrida que a elite não vê — ou escolhe ignorar.
Por isso, deixo este apelo: que os moçambicanos, tal como se uniram para combater o colonialismo, se ergam hoje contra o nepotismo e a corrupção. Só assim teremos um país verdadeiramente livre e justo para todos.(Gustavo Mavie)
