No coração do distrito de Vilankulo, província de Inhambane, o povoado de Mahangate enfrenta uma realidade dura e marcada pelo abandono. A cerca de 80 km do Posto Administrativo de Mavanza e a mais de 200 km da vila sede de Vilankulo, os habitantes vivem em condições extremamente precárias, com quase nenhum acesso a serviços sociais básicos, como saúde, educação, transporte ou energia.
Para qualquer tipo de assistência médica, os moradores precisam percorrer mais de 50 km até à localidade de Belane. E, mesmo após essa longa viagem, frequentemente deparam-se com a falta de medicamentos ou com atendimento deficiente. As mulheres grávidas são as maiores vítimas dessa situação, muitas delas obrigadas a dar à luz em casa ou no trajeto até à maternidade, arriscando a vida delas e de seus bebés.
Partos arriscados e histórias de sofrimento
Ângela Filimão, de 34 anos, conta que teve dois filhos em condições dramáticas. “Entrei em trabalho de parto e dei à luz dentro do carro, a caminho do hospital. Se não fosse a solidariedade de algumas pessoas, eu e os meus filhos talvez não estivéssemos aqui”, relembra. Para chegar ao hospital mais próximo, ela precisou enfrentar uma viagem longa e difícil. “Não temos transporte, muitos vivem sem emprego, e ainda assim precisamos pagar para ir ao hospital”, lamenta.
Rebeca Vilanculos, grávida de sete meses, vive a mesma incerteza. “O meu primeiro filho nasceu em casa porque não tínhamos dinheiro para transporte. Agora, com esta nova gravidez, não sei o que pode acontecer”, diz, em tom de desespero.
Mortes evitáveis e ausência de soluções
Amâncio Vilanculos, residente local há mais de 20 anos, afirma que várias vidas poderiam ter sido salvas com assistência médica oportuna. “Muitos chegaram ao hospital tarde demais, e os que conseguiram chegar não encontraram medicamentos. Receberam apenas receitas e foram mandados para farmácias privadas, onde ninguém tem condições de comprar”, relata.
Diante desse cenário, muitos recorrem à medicina tradicional como única alternativa viável.
Educação interrompida e juventude sem perspectivas
Na área da educação, Mahangate possui apenas uma escola primária, construída por um investidor privado, com aulas até à 6.ª classe. Para estudar além disso, os alunos precisam deslocar-se para Mavanza ou Belane, uma realidade impossível para muitas famílias.
Albano Vilanculos, pai de oito filhos, conta que três dos seus filhos abandonaram os estudos por falta de meios. “Eles terminaram a 6.ª classe, mas não consigo pagar transporte ou estadia noutra localidade. Sem educação, os jovens ficam à mercê de casamentos precoces e trabalho infantil.”
Falta de energia, estradas intransitáveis e abandono total
A ausência de energia elétrica é outro obstáculo ao progresso. João Massingue, que tentou iniciar um negócio, desistiu após ver os seus equipamentos parados por falta de eletricidade. “Tenho máquinas de solda e congeladores, mas sem energia não posso fazer nada. Vivemos à luz de velas”, desabafa.
A via de acesso ao povoado é estreita e arenosa, exigindo veículos com tração total. Durante a época chuvosa, o acesso torna-se praticamente impossível, agravando ainda mais o isolamento.
Enquanto a população luta para sobreviver sem os serviços mais essenciais, empresas estrangeiras exploram os recursos naturais da região, agravando a sensação de injustiça e abandono.
Mahangate grita por socorro. Até quando será ignorado?
Com mais de 10 mil habitantes, Mahangate é um retrato do esquecimento. Sem saúde, sem educação, sem energia e sem acesso digno, os moradores resistem com resiliência. Mas a pergunta persiste: até quando este povoado continuará excluído das prioridades do desenvolvimento nacional?