A liberdade de imprensa em Moçambique encontra-se sob pressão crescente, com jornalistas enfrentando ameaças vindas de círculos políticos e económicos, o que tem gerado medo e levado à auto-censura. A constatação foi feita durante a apresentação de um estudo sobre a situação da mídia no país, liderado por Armando Nhantumbo e desenvolvido em parceria com os académicos Luca Bussotti e Laura Inhauleque.
O relatório, revelado durante uma mesa redonda dedicada aos “Desafios dos Media em tempos de crise”, analisou seis pilares principais: segurança dos profissionais, jornalismo investigativo, viabilidade financeira dos órgãos, transição digital, participação feminina no setor e resiliência das redações.
“Há um clima de insegurança constante, especialmente entre jornalistas que atuam em investigações. Ameaças partem tanto de estruturas políticas quanto empresariais. Em muitos casos, a insegurança é usada como desculpa para obstruir o trabalho da imprensa”, afirmou Nhantumbo.
Cabo Delgado foi identificado como uma das regiões mais críticas. Segundo o investigador, os profissionais de imprensa são frequentemente impedidos de trabalhar sob alegações de segurança, mas que na prática servem para barrar a cobertura de temas sensíveis. Além disso, as fontes locais demonstram receio de falar, dificultando o trabalho jornalístico.
A pesquisa também destaca a ausência de mecanismos institucionais que protejam os jornalistas. A maioria atua sem seguro, sem suporte legal ou psicológico e sem o equipamento necessário para coberturas de risco.
Entre os pontos abordados, também foi destacada a desigualdade enfrentada por mulheres no jornalismo investigativo. Os autores defendem políticas de inclusão e programas contínuos de capacitação para garantir maior representatividade feminina nas pautas sensíveis.
Durante o evento, Rogério Sitoe, presidente do Conselho Superior da Comunicação Social (CSCS), criticou a perda de imparcialidade em muitas redações, alertando para a “militância disfarçada” que expõe jornalistas a riscos. Ele também apontou a falta de preparação técnica para cobertura de contextos eleitorais e momentos de crise como um fator de vulnerabilidade.
“Temos profissionais a cobrir manifestações no meio da tensão, sem coletes, sem plano de segurança. Isso mostra despreparo tanto individual quanto institucional”, frisou.
ONU Cobra Respostas sobre Jornalistas Desaparecidos
A representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Nora Sarrat Capdevila, reforçou que Moçambique, como signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, deve assegurar a liberdade de expressão e o exercício seguro do jornalismo. Capdevila manifestou preocupação com os relatos de abusos após as eleições de 2024, citando o desaparecimento do jornalista Arlindo Chissale em Cabo Delgado, agressões durante protestos, detenções arbitrárias, destruição de equipamentos e restrições ao acesso à informação.
“O desaparecimento de Chissale, ocorrido enquanto exercia a sua função, é uma grave violação dos direitos humanos. O governo tem a obrigação legal e moral de esclarecer o caso”, declarou Capdevila, revelando que duas comunicações formais foram encaminhadas às autoridades moçambicanas.
Em nome do GABINFO, Elizabete Mchola reiterou o compromisso do Estado com a liberdade de imprensa, mas apelou para que os jornalistas mantenham ética, compromisso com a verdade e promovam a paz social. Reconheceu ainda os desafios enfrentados no período pós-eleitoral, incluindo ameaças à segurança de repórteres e o crescimento da desinformação.
“O profissionalismo demonstrado por muitos jornalistas durante as tensões pós-eleitorais foi fundamental para desarmar discursos de ódio e fortalecer o diálogo nacional”, sublinhou Mchola.
O seminário encerrou com um apelo conjunto para a criação de mecanismos de proteção à imprensa, incluindo formação especializada, provisão de equipamentos de segurança, apoio jurídico, canais de denúncia e incentivos à sustentabilidade financeira dos meios de comunicação.