Manifestar em Moçambique Continua a Ser Crime Não Declarado

Apesar dos episódios traumáticos de outubro passado, que resultaram nas manifestações mais violentas desde a independência de Moçambique, o país continua a restringir severamente o direito à manifestação. No último sábado, 19 de abril, a Polícia da República de Moçambique (PRM) impediu a realização de uma marcha pacífica contra os assassinatos e a repressão política no país.

A marcha, organizada por cerca de 30 ativistas, estava prevista para iniciar junto à estátua de Eduardo Mondlane e terminar na sede da Procuradoria-Geral da República. No entanto, foi interrompida antes mesmo de começar. Um forte dispositivo policial foi mobilizado, incluindo unidades armadas, cães e viaturas táticas – com uma viatura Mahindra para quase cada manifestante – num cenário que demonstrava uma resposta completamente desproporcional à dimensão do protesto.

Nos últimos tempos, relatos de perseguições, raptos e tentativas de assassinato têm sido recorrentes. Recentemente, o jovem animador cultural Joel Amaral, conhecido como MC Trufafa, sobreviveu a um ataque a tiro, tendo sido atingido três vezes, inclusive na cabeça. O caso causou indignação pública e motivou a convocação da marcha, liderada por jovens ativistas como Clemente Carlos e Ivandro Sigaval.

Embora os organizadores afirmem ter seguido todos os trâmites legais – incluindo autorização do município e identificação formal dos líderes do protesto – a PRM bloqueou o acesso à rota e impediu a concentração dos manifestantes. Viaturas da polícia foram posicionadas em pontos estratégicos para evitar qualquer aglomeração, repetindo um padrão observado durante o governo anterior.

Clemente Carlos, uma das figuras centrais do movimento, criticou a postura das autoridades, denunciando que apenas os grupos ligados ao partido no poder têm liberdade para se manifestar. Ele garantiu que, apesar da repressão, as manifestações continuarão.

“Vamos regressar às ruas para condenar os assassinatos e perseguições políticas. É nosso direito resistir”, afirmou.

Diversos participantes expressaram frustração e medo, preferindo o anonimato. “Queremos expressar o nosso descontentamento de forma pacífica, mas somos impedidos. Isso não é normal”, desabafou um deles.

Durante a década em que Filipe Nyusi esteve na presidência, manifestações independentes foram sistematicamente proibidas, sendo autorizadas apenas aquelas organizadas pelos órgãos sociais da Frelimo – muitas vezes em moldes que remetem a cultos de personalidade. A repressão e o silenciamento da sociedade civil, segundo observadores, criaram uma pressão social que culminou nos violentos protestos de outubro de 2024, que duraram mais de três meses e marcaram uma ruptura com a aparente estabilidade.

Agora, sob nova liderança, esperava-se uma mudança de postura. No entanto, a continuação da repressão revela que pouco ou nada foi aprendido com os erros do passado.

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