Crise de divisas força Banco de Moçambique a intervir diretamente no setor da saúde

A escassez de divisas em Moçambique está a atingir níveis críticos, afetando setores estratégicos como o da saúde. Diante da situação, o Banco de Moçambique (BM) tem tomado medidas extraordinárias que estão a levantar preocupações entre operadores do setor e instituições bancárias comerciais.

Durante uma reunião recente com o Ministro da Saúde, Ussene Isse, os importadores de medicamentos e equipamentos médicos foram instruídos a enviar diretamente à Central de Medicamentos toda a documentação necessária para importações, incluindo as faturas. A Central, que possui uma conta em moeda estrangeira no Banco de Moçambique, fará os pagamentos diretamente aos fornecedores internacionais, principalmente localizados na Índia.

Essa abordagem representa uma mudança profunda na forma como o sistema financeiro nacional opera. O Banco Central está, na prática, a substituir os bancos comerciais em operações que, tradicionalmente, não são da sua alçada. A alegada falta de divisas nos bancos comerciais é a justificação apresentada pelo BM, mas a decisão levanta receios quanto à transparência e ao funcionamento normal do sistema.

A Associação dos Importadores e Produtores de Medicamentos de Moçambique (AIPROMEM) alerta que a situação poderá provocar a escassez generalizada de medicamentos, tanto em hospitais públicos quanto em farmácias privadas. A presidente da AIPROMEM, Mariamo Aly Hassane, afirmou que os atuais fornecimentos dependem de acordos de crédito com prazos de até 90 dias, mas há o risco de interrupção. “A continuar assim, em breve o país poderá enfrentar uma ruptura completa no fornecimento de medicamentos”, declarou.

Hassane também destacou que, embora alguns bancos tentem facilitar as importações, o bloqueio na emissão dos termos de compromisso está a travar o processo. Segundo ela, até as importações pós-pagamento enfrentam dificuldades no desalfandegamento, justamente pela ausência desses documentos. A situação é agravada pelo receio dos bancos em assumir compromissos que talvez não consigam honrar.

Entretanto, a crise monetária vai além do setor da saúde. Segundo o economista Egas Daniel, a atuação do Banco de Moçambique está a distorcer o funcionamento do mercado cambial. Ele alerta para os riscos de instabilidade, caso o BM continue a intervir sem considerar os fundamentos de mercado. “Estamos a caminhar para um cenário onde o câmbio pode fugir ao controlo e tornar-se insustentável”, explicou.

Daniel também apontou que os bancos operam sob uma vigilância intensa do regulador, o que inclui inspeções frequentes e ações punitivas. Citou o caso do Standard Bank, que em 2021 foi suspenso do mercado interbancário, como exemplo da postura agressiva da autoridade monetária.

A Confederação das Associações Económicas (CTA) já manifestou preocupação com os impactos das medidas do BM no acesso a divisas. Estima-se que há cerca de 500 milhões de dólares em operações internacionais pendentes, entre importações, envio de lucros ao exterior e outras transações.

Essa realidade já tem reflexos concretos na economia: projetos parados, redução da produção, aumento de custos operacionais e retração do investimento privado. O setor da saúde, em particular, é um dos mais afetados — e, ao contrário de outros, não pode esperar.

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