Estudantes pagam entre 12 e 50 mil meticais por trabalhos acadêmicos em Moçambique; esquema expõe fragilidades do ensino superior
Uma investigação do jornal “O País” revelou a existência de um esquema organizado de comercialização de monografias em Moçambique, transformando o trabalho de fim de curso em um negócio lucrativo que envolve estudantes e intermediários que atuam à margem das instituições de ensino superior.
A reportagem simulou uma compra para entender como funciona esse mercado clandestino. Os preços variam entre 12 mil e 50 mil meticais, dependendo do curso — trabalhos para áreas como Direito, Medicina ou Engenharia custam mais caro — da complexidade do tema e da urgência na entrega, que eleva o valor.
Durante o contato com os vendedores, a equipe teve acesso aos serviços oferecidos, que incluem escolha e reformulação do tema, estruturação completa conforme as normas da universidade, elaboração da introdução, desenvolvimento, conclusão, referências, além de formatação e eventuais correções solicitadas pelo orientador.
Um dos facilitadores explicou: “Se já tiver um projeto pronto, o custo é de 12 mil meticais com aulas de acompanhamento; sem projeto, o valor sobe para 15 mil, com o mesmo suporte.”
Os vendedores asseguram a originalidade dos trabalhos e mostram comprovativos de entregas feitas com sucesso em instituições como a Universidade Eduardo Mondlane (UEM), UNISCED e Universidade Católica de Moçambique.
A troca de mensagens entre estudantes e facilitadores revela um sistema funcional, em que os vendedores solicitam informações detalhadas sobre curso, universidade, normas de formatação e até capítulos já escritos para garantir coerência no trabalho.
Muitos desses documentos são aprovados e defendidos nas universidades, levantando dúvidas sobre a eficiência dos controles acadêmicos.
Para o advogado Impasse Camblege, apesar de Moçambique não ter uma lei específica contra a compra e venda de trabalhos acadêmicos, o Código Penal pode enquadrar essas práticas como fraude e falsificação documental.
“As universidades dispõem de mecanismos internos para combater fraudes acadêmicas, mas não alcançam terceiros envolvidos nessa comercialização”, afirmou o advogado.
Educadores do ensino superior expressam preocupação com o problema. Eduardo Humbane, diretor pedagógico da UP-Maputo, declarou que “essa prática representa uma séria ameaça à integridade acadêmica”. O professor Adão Matimbe acrescentou que “o fenômeno prejudica o desenvolvimento do país ao comprometer a formação de profissionais qualificados.”
Embora algumas universidades possuam programas para detectar plágio, sua eficácia é limitada, devido à falta de investimentos em tecnologia e capacitação.
Tércio Viola, coordenador da Associação Nacional dos Estudantes Universitários de Moçambique (AEFUM), explicou que muitos estudantes recorrem a ajuda externa por sentirem-se desamparados durante a produção do trabalho de fim de curso.
O Ministério da Educação, ao ser informado sobre a investigação, afirmou não ter conhecimento do esquema, mas prometeu instaurar um inquérito para apurar os fatos.
Enquanto medidas efetivas não forem adotadas, a prática deve persistir, colocando em risco a qualidade do ensino e a credibilidade dos diplomas emitidos pelas universidades moçambicanas.
Fonte: Jornal O País