“A fronteira é do domínio dos povos”, enquanto os limites “pertencem ao domínio de alta diplomacia”, afirmou Machado, destacando as complexidades nas relações entre os países vizinhos. A análise das fronteiras e suas implicações na segurança nacional de Moçambique exige uma reflexão profunda, especialmente no contexto da interação entre Moçambique e a Tanzânia.
Uma das vertentes mais cruciais e alarmantes dessa relação é a frágil fronteira entre ambos os países, que, em vez de ser uma zona de cooperação e paz, tem se tornado um terreno fértil para atividades ilegais. O fluxo de ilegalidades ao longo dessa região contribui diretamente para o agravamento do conflito, com evidências claras de um crescente problema de segurança.
As fragilidades do setor de contra-inteligência moçambicano são um dos principais pontos críticos. A falta de meios modernos de rastreamento do crime organizado, bem como a insuficiência de recursos e formação adequada das forças de segurança, como a Polícia de Fronteira e o SERNIC, têm dificultado o combate ao crime transnacional. Essas deficiências estruturais também são evidentes na falta de formação adequada no SISE (Serviço de Informações de Segurança do Estado), o que compromete a eficácia na prevenção e resposta ao crime organizado. A carência de quadros qualificados e o comprometimento político resultam em falhas no controle e na proteção da fronteira, permitindo a infiltração de redes criminosas que utilizam tecnologia sofisticada para desestabilizar Moçambique e explorar a mão de obra na região fronteiriça.
As dificuldades financeiras enfrentadas pela Polícia de Fronteira, os baixos salários e a ausência de estratégias adequadas têm contribuído para o crescimento da corrupção e da insegurança na área. A ausência de um compromisso real com a segurança e o controle efetivo das fronteiras têm sido um dos maiores entraves ao combate ao crime, o que facilita o contrabando de mercadorias, tráfico humano, exportação ilegal de madeira, garimpo, migração ilegal e outras práticas criminosas.
Além disso, a fronteira com a Tanzânia é um dos principais corredores para o fornecimento de armamentos, além de ser usada como rota para insurgentes provenientes da República Democrática do Congo, que frequentemente utilizam o território tanzaniano para treinamento e preparação.
A criminalidade na região fronteiriça, especialmente em relação a outros países vizinhos, como a Tanzânia, é um tema frequentemente negligenciado pelas investigações do SISE. A falta de foco nas ações criminosas nessa zona, que está afastada dos centros econômicos e políticos do país, tem prejudicado as estratégias de segurança. Embora existam acordos bilaterais entre os países para combater o tráfico de drogas e outros crimes organizados, esses esforços têm sido marginalizados.
Para melhorar o controle fronteiriço, seria necessário realizar uma análise comparativa dos índices de perda fiscal entre a fronteira com a Tanzânia e as fronteiras com outros países, como Malawi, Zimbabwe, África do Sul e Zâmbia. Isso ajudaria a aumentar o entendimento sobre a entrada e saída de bens, apreensões e perdas de receitas, proporcionando uma base sólida para a implementação de políticas mais eficazes.
A Estratégia da União Africana para a Melhor Governação Integrada das Fronteiras (2020) sugere que o combate ao crime organizado transnacional deve se basear em abordagens multissetoriais e centradas nas pessoas, transformando a segurança de fronteira frequentemente militarizada. No entanto, até o momento, essa abordagem ainda não teve um impacto significativo em Moçambique, onde as lacunas na segurança fronteiriça persistem, permitindo a proliferação do crime organizado e a degradação da segurança nacional.
Por: Nobre Rassul