“Como é possível viver com dignidade recebendo menos de 10 mil meticais?” – a pergunta, repetida por muitos trabalhadores moçambicanos, expõe o drama de quem precisa escolher diariamente entre colocar comida na mesa, pagar transporte, custear a educação dos filhos ou garantir cuidados de saúde.
Atualmente, os salários mínimos no país variam de 4.900 a 17.800 meticais, conforme o setor de atividade, valor considerado insuficiente para assegurar condições básicas de vida. Nesse contexto, a Organização dos Trabalhadores de Moçambique – Central Sindical (OTM-CS) propõe que, em 2025, o mínimo seja fixado em 42.000 meticais, um montante que, segundo a entidade, garantiria o essencial para viver com dignidade.
Sistema setorial de mínimos
Desde 2021, Moçambique deixou de ter um salário mínimo nacional único e adotou um modelo com 18 valores distintos, definidos por setor económico. Esses montantes são ajustados anualmente pela Comissão Consultiva do Trabalho (CCT), formada por representantes do governo, das empresas e dos trabalhadores.
O menor piso salarial está no setor da pesca artesanal (4.942 Mt), enquanto o mais alto é o do setor financeiro (17.881 Mt), de acordo com dados da Agência de Informação de Moçambique (AIM). Para a OTM, mesmo este valor máximo está longe de cobrir as despesas básicas, especialmente com a alta inflação e o encarecimento constante da cesta básica.
Por que 42 mil meticais?
A proposta da OTM-CS parte de um cálculo atualizado do custo mensal de vida para uma família de cinco pessoas em Maputo. A cesta básica, segundo estimativas, custa cerca de 38.000 Mt, sem incluir transporte, saúde e outras necessidades. Assim, a central sindical sugere um valor que permita ao trabalhador manter um nível mínimo de dignidade sem depender de dívidas ou trabalhos informais para complementar a renda.
“O montante que propomos é o necessário para que um trabalhador moçambicano consiga viver de forma minimamente digna”, defendeu Alexandre Munguambe, secretário-geral da organização.
Debate marcado pela desigualdade
As negociações, que começaram oficialmente em agosto de 2025 após sucessivos adiamentos desde abril, devem durar várias semanas. Há ainda a possibilidade de aplicação retroativa, como ocorreu em anos anteriores.
Para especialistas, a discussão vai além de questões orçamentais. Envolve escolhas políticas, justiça social e proteção das camadas mais vulneráveis da população.
“O salário mínimo não deve ser definido apenas pelo que a economia suporta, mas também pelo que a sociedade já não pode aceitar negar”, afirmou a economista Luzia Mucavele, citada em estudo do Instituto de Estudos Sociais e Econômicos (IESE).
Mais que números, um modelo de país
O desfecho desta negociação representa mais que um valor monetário. É um reflexo do tipo de nação que Moçambique quer construir: uma em que o trabalho seja suficiente para viver ou uma em que o trabalhador apenas sobreviva. As próximas semanas serão decisivas para saber se a dignidade do trabalhador estará no centro das decisões nacionais.