Disputa entre Governo e Galp ameaça reputação de Moçambique, alerta economista

A crescente tensão entre o Governo moçambicano e a petrolífera portuguesa Galp, resultante da venda de 10% da participação no consórcio de gás da Área 4 da Bacia do Rovuma à ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), tem gerado preocupação no meio económico, com receios de que o impasse possa comprometer a imagem de Moçambique enquanto destino confiável para investimentos. O ponto central do litígio está na forma de cálculo do imposto sobre as mais-valias de uma transação avaliada em cerca de 1.050 milhões de dólares.

O Estado moçambicano reivindica aproximadamente 300 milhões de dólares em impostos, utilizando uma fórmula que deduz apenas o capital social da subsidiária da Galp em Moçambique — cerca de 239 mil dólares — ao valor da venda. A Galp, por outro lado, argumenta que esse método ignora os mais de 1.020 milhões de dólares que a empresa investiu no projeto, o que reduziria drasticamente o valor tributável e, consequentemente, o imposto devido, para cerca de 8 milhões de dólares.

O economista Clésio Foia, ouvido pelo Dossier Económico, considera que o cálculo adotado pelo Estado representa uma interpretação distorcida da legislação fiscal. Ele explica que o artigo 31 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRPC), aprovado pela Lei n.º 13/2017, estabelece que as mais-valias devem ser calculadas com base na diferença entre o valor de venda e o custo de aquisição, ajustado por amortizações. Segundo Foia, “o imposto deve incidir sobre o ganho real obtido”.

Para o especialista, ignorar os investimentos realizados pela Galp e basear o cálculo apenas no capital social contraria o princípio da capacidade contributiva consagrado na Constituição da República. Ele reforça que as normas internacionais de contabilidade, como as IAS 16 e 38, exigem a inclusão de todos os investimentos no custo de aquisição de ativos, o que dá respaldo técnico à posição da Galp. Dessa forma, Foia defende uma auditoria rigorosa aos investimentos realizados, para apurar com precisão a mais-valia tributável.

Consequências e riscos para o país

Apesar de reconhecer a importância dos 300 milhões de dólares para os cofres públicos — o que equivale a cerca de 5% do orçamento anual — Foia alerta para os riscos de uma escalada jurídica no conflito. Com o défice orçamental do país acima dos 2.000 milhões de dólares e desafios na arrecadação de receitas, ele considera que o caso, se levado a arbitragem internacional (como o ICSID), pode prejudicar a imagem de Moçambique perante potenciais investidores.

“A indústria de petróleo e gás depende fortemente da segurança jurídica e da previsibilidade fiscal”, sublinha o economista, acrescentando que a Galp ainda mantém operações no setor dos combustíveis em Moçambique, o que oferece espaço para uma solução negociada.

Foia propõe, assim, uma abordagem equilibrada, assente em três pilares: auditoria transparente dos investimentos, aplicação justa da legislação vigente e respeito pelas normas internacionais. Para ele, “é fundamental preservar a confiança dos investidores e assegurar que Moçambique continue a ser um destino atrativo para investimentos estratégicos”.

Em conclusão, o especialista considera que insistir num litígio prolongado poderá trazer mais prejuízos do que ganhos para o país, tanto em termos de receitas imediatas quanto em reputação a longo prazo.

Mais do autor

FADM abatem 12 terroristas em Montepuez após emboscada surpresa

Ex-guerrilheiros da RENAMO dão 20 dias a Ossufo Momade para convocar Conselho Nacional

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *